Generosidade
No verão de 1987-1988, programamos passar o revelion na casa de praia
de um de meus irmãos. Por esse motivo, tivemos a oportunidade de emprestar
nossa casa do Campeche à família de um grande amigo de Maringá – grata
satisfação.
Vieram o Ivan, sua esposa Cléia, as filhinhas Larissa, Tássia e Vanessa, Dona Dalva - mãe do Ivan-, o casal Wilson e Jussara, com seus filhos Amanda, Thiago e Mayara, e a Dete, essa também irmã do Ivan. Viajaram de Maringá para Florianópolis no dia 31 de dezembro, bem cedinho.
Mesmo
cansados da viagem, ainda curtiram a praia e, mais tarde, festaram, como quase
todos o fazem, até a virada da meia-noite. Foram dormir à uma hora da manhã
do novo ano.
Lá pelas duas horas da madrugada, quando todos já se encontravam
ferrados no sono - não só pelo cansaço da viagem, mas principalmente pelas
barrigas e bexigas cheias -, ouviu-se um som de música ao lado da casa, bem
pertinho do quarto maior. Parecia uma serenata.
A letra da música dizia mais ou menos assim:
“Senhores donos da casa
Dona Lurdes e seu Osli
Nós somos os reis magos
Queiram a porta nos abrir”.
Dona
Dalva, com toda a sua sabedoria e experiência de vida, logo entendeu que era
um terno de reis. Levantou-se, chamou o Ivan, que estava meio sonâmbulo, pois
já havia levado uns cutucões de sua esposa para que parasse de roncar e
acordasse.
Aconselhado pela mãe, o Ivan foi abrir a porta da sala. Ao abri-la, um
pelotão de homens, mesclado de algumas mulheres, invadiu o ambiente tocando e
cantando num sotaque que os “da casa” não entendiam direito. Tocavam
quatro instrumentos, sendo três de corda: rebeca, cavaquinho e violão. O
quarto era de boca: o “Mé”. Esse último, tocado por quase todos, gerava
apenas o som descompassado de um soluço.
Nessa
altura, só algumas crianças permaneciam dormindo. Dona Dalva era a única
que mantinha a calma e se deliciava com a situação.
O
Ivan foi buscar uma garrafa de cerveja e alguns copos para agradar os alegres
cantores. Um deles chegou bem perto de seu ouvido e falou: - não tem uma
coisinha mais forte? Foi aí que
o Ivan se lembrou de ter visto, no balcão da cozinha, uma garrafa de conhaque
pela metade, companheira de minhas pescarias noturnas.
E
a cantoria continuava... até que Dona Dalva deu outro toque:
–Ivan, tem que dar um dinheirinho pois é o costume. Preste atenção
na letra da música que eles estão cantando repetidas vezes:
O camelo tá cansado
E a noite já se vai
O senhor entenda que
Sem
ajutório nóis não sai”.
Aí
que o Ivan notou que uma das poucas mulheres do grupo tinha uma bandeijinha na
mão. Sem fazer juízo de valor, ele passou a mão no bolso tirou uma nota de
10 depositando-a na bandeja. Seu cunhado, para não fazer feio, também
depositou uma nota de 10, enquanto Dona Dalva, mais consciente e modesta,
contribuiu com uma nota de 1. A praxe era contribuir com um trocadinho, quem sabe uma moeda,
como nas salvas da igreja.
Cantaram
mais uma estrofe, agradecendo a fagueira acolhida, e seguiram caminho.
No
ano seguinte, quando abri a porta pra mesma turma, logo veio a pergunta: os
seus amigos do Paraná não vieram? E, diante da minha negativa, ouvimos um uníssono
óhohohoh!. Eles eram tão generosos!
Osli Cunha, Outubro de 2007.
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