Estória de Caçador I - O tatu
Naquela
época os namorados não dormiam juntos, no máximo, davam uns beijinhos de boa
noite, antes de deitar. Dormir na casa da namorada também não era comum.
Entretanto, a casa dela era longe e eu não tive outra saída.
Fui
deitar cedinho naquela sexta-feira. Tinha aceitado o convite feito pelo irmão
mais velho dela, o Zezinho, para colher batatinhas no dia seguinte.
Acordamos
ao amanhecer do dia. A roça ficava no alto de um morro. Fomos a pé.
Ao
chegarmos mais ou menos à metade do caminho, encontramos um tatu subindo um
barranco à beira do caminho. O que fazer? Os cachorros já haviam ido antes com
um cunhadinho mais novo, que acompanhara o carro de boi. Tentamos pegar o animal
à unha, mas, o tatu, que era pitoco, foi mais esperto do que nós
- desceu a ladeira em disparada embrenhando-se na mata.
O
Zezinho, sem digerir a frustrada tentativa, gritou para o tatu: - Logo à noite
eu te pego. Eu sei onde tu moras.
Na
volta, lá pelo meio-dia, ao passarmos pelo local onde o bicho havia
desaparecido, o Zezinho, para que não fizessem barulho, amarrou os dois
cachorros no carro de boi que estava carregado com 16 sacos de batatas, e entrou
uns cinqüenta metros mata adentro até encontrar uma velha toca que servia de
morada para tatus. Notando que a mesma estava sendo habitada, tapou-a com ramos
e folhas secas para, à noite, fazer a espera.
No
final da tarde convidamos um vizinho chamado Zé Schmidt, famoso caçador de
tatu, para ir conosco proceder à espera do bicho.
Eram
sete e meia e já estava anoitecendo quando saímos rumo à toca. Deixamos os
cachorros em casa. Fomos munidos de um facão, uma lamparina de querosene e duas
espingardas, sendo uma “cartucheira” e, a outra “pica-pau” - daquelas
que se carrega a munição pelo cano.
Como
eu era “marinheiro de primeira viagem”, fizeram um “rosário” de
recomendações para eu seguir durante a espera: Não podes falar nem assoviar;
não podes tossir, - hi!, na época eu ainda fumava e tinha aquele pigarro que
acompanha quase todos os fumantes -; não podes fazer barulho de jeito nenhum.
Se um pernilongo te picar, não podes bater com a mão porque faz barulho,
afasta-o apenas. Barulho oriundo do baixo-ventre, nem pensar.
Tudo
preparado, a “luz de querosene” próximo à toca, o Zezinho com o pé por
cima do pé do Zé Schmidt para, na hora agá, poder dar o sinal e os tiros saírem
juntos. Eu mais abaixo, em silêncio sepulcral, só aguardava o desfecho.
Fazia
meia hora que estávamos naquela situação quando vi o Zezinho colocar o dedo
indicador, na vertical, sobre a boca, pedindo silêncio e atenção. Nesse
momento apenas ouvíamos o ruído característico do tatu remexendo as palhas em
direção à saída da toca.
Duas
espingardas engatilhadas prontas para o disparo. Pé de um sobre o pé do outro.
Uma das folhas que cobriam a boca da toca começou a se mover. O Zezinho deu o
sinal e ouviu-se o som estridente de dois tiros quase que ao mesmo tempo.
A
fumaça dos tiros ainda não havia dissipado, quando o animal, a uns trinta centímetros
daquela folha e, deixando um rastro de excrementos, deu um salto em direção à
lamparina, derramando a querosene sobre as palhas secas dando início a um
pequeno incêndio, logo debelado por nós.
E,
mesmo na penumbra, o vimos descer a ladeira, abanando o toquinho do rabo como
quem diz: - “ Tô cagando e
andando pra vocês”.
Então
o Zezinho comentou: - Eu não deveria tê-lo avisado. Da próxima ele não me
escapa.
Osli Cunha, Novembro de 2007.
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