Ana Lúcia
Ele
pouco freqüentava o “Fecha Nunca” - assim era conhecido por ser o último
bar a cerrar as portas em Santo Amaro. Não dava para classificá-lo de “freguês
assíduo”; chamavam-lhe “Vasco”. O bar pertencia a Daíco, meu irmão, e
eu trabalhava lá também.
Naquele
fim de tarde, estacionou o velho Jeep sem capota bem defronte a porta.
Acompanhado de seu amigo de trabalho, Getúlio, irradiando alegria, veio
gritando: “Viva a Ana Lúcia!!!” Abram meia dúzia de cervejas.
Hoje quem paga sou eu. Ao entrar no bar, todo eufórico, faceiramente explicava:
nasceu minha filha. “Viva a Ana Lúcia!”.
Logo,
formou-se uma “mesa” de amigos para comemorar o nascimento da pequena Ana Lúcia,
com várias rodadas de cerveja.
A
noite ia avançando e poucos fregueses restavam. Lá pela meia-noite, Vasco teve
a idéia de continuar a comemoração em Palhoça, cidade vizinha. Para topar a
parada, Alirinho, que pouco tinha bebido, exigiu a chave do Jeep para que ele mesmo
dirigisse. Fechamos o “Fecha-Nunca” e seguimos em cinco (Vasco, Getúlio, Alirinho,
Daíco e eu - o mais novo da turma) rumo a Palhoça.
Na
altura do bairro Aririú, encontramos uma vaca deitada no meio da estrada, dificultando
a passagem. Paramos, e, sem descer do Jeep, o Vasco abriu uma caixa de foguetes
de pistola, com três tiros cada, disparou um em direção ao animal. A vaca
levantou-se assustada e correu em direção ao seu pasto que ficava ao lado da
estrada, deixando livre, a passagem.
Ao
chegarmos em Palhoça encontramos quase tudo fechado devido ao adiantado da
hora. Apenas o portal de um bar-churrascaria estava entreaberto. Antes de
entrarmos no ambiente, o Vasco sacou mais alguns foguetes soltando-os para cima,
gritando: “Viva a Ana Lúcia!!!”
Meus
parceiros pediram cerveja e sentaram-se à mesa perto do balcão. Eu, pedi um
refrigerante e fiquei ao redor de uma bela mesa de sinuca rolando as bolas com
as próprias mãos.
De
repente, na entrada do bar-churrascaria apareceu um jovem moreno, bem apessoado,
aparentando menos de 30 anos. Ficou parado junto à porta olhando em direção
à mesa onde estavam sentados meus parceiros. Jogava e aparava com a mesma mão
um objeto metálico e brilhante. Somente após alguns segundos de observação
é que pude identificar o objeto: um revólver. “Esse é o nosso delegado de
polícia” - disse o balconista. - Mora ali em frente e detesta foguetório a
essa hora.
Em
seguida, chegou um carro de polícia (parecia uma kombi adaptada). Dele, saíram
dois policiais fardados, cada um armado com um cacetete de borracha. O delegado
deu ordem para que todos se sentassem e ordenou aos policiais para que
revistassem os quatro ocupantes da mesa onde estavam meus companheiros. Eu, que
estava deslocado da turma, sentei num banco atrás da mesa de sinuca.
Os
policiais, à medida que concluíam a revista em meus colegas, encaminhavam-nos
ao camburão. A reação de um deles, tentando se esquivar da prisão, fez soar
o cacetete do guarda, rendendo-lhe, em suas costas, um vergão que durou uma
semana. E eu, quieto no meu canto, nem fui notado.
Naquela
noite, meus colegas dormiram na cadeia e eu repousei num dormitório junto a um
posto de gasolina.
Na
manhã seguinte, bem cedo, consegui uma carona para Santo Amaro, com um
representante comercial que havia pernoitado no mesmo dormitório. Fui direto
avisar à mãe do Alirinho, dona Zilá, o ocorrido. Senhora dona de si, mandava
e desmandava em Santo Amaro, falou: “Só depois de terminar meus afazeres é
que irei até lá para soltá-los”. Eu, ciente de que a solução do problema
estava encaminhada, fui abrir o “Fecha-Nunca”.
Eram
dez horas da manhã quando ouvi um foguetório lá fora. Dirigi-me até a porta
do bar para ver o que estava se passando, quando deparei com quatro rapazes
estacionando um Jeep, cada qual com uma garrafa de cerveja na mão, soltando
foguetes e gritando quase que numa única voz: “Viva a Ana Lúcia!!!”
Osli Cunha - dezembro de 2007.
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